Quando fazemos Yoga, chamamos isso de prática. A noção yóguica de prática é diferente do tipo de prática que fazemos quando ensaiamos para algum evento como dança, maratona ou uma palestra. Para esses casos, há um objetivo específico e, assim que chegamos a determinado ponto, não há necessidade de praticar mais. Mas a prática do Yoga – definida tanto como um estado de ser quanto um método de posturas físicas que criam uma saúde de ferro – nunca termina; é um processo constante.
Certamente você já experimentou a prática de asanas como um processo evolutivo – pode ter ficado emocionalmente menos reativo, mais forte, mais estável e flexível. Esse processo não é linear: em alguns dias sentimos que estamos progredindo, e já em outros nos sentimos exaustos. Mas, com o tempo, percebemos um progresso sólido em uma direção favorável.
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O estado presente que chamamos de Yoga também é um processo. Embora todos os mestres de Yoga concordem que nascemos naturalmente livres, libertos e felizes, também concordam que essa liberdade está escondida sob nossos hábitos cotidianos e padrões de pensamento. Para redescobrir nossa liberdade interior, precisamos nos engajar no processo de transformação por meio do cultivo da compaixão, curiosidade, alegria e, ironicamente, sem nos importar com o resultado.
Isso não significa que não devemos nos preocupar com o resultado de nossos esforços, mas no Yoga – assim como na vida – não existem garantias. Não podemos prever se estaremos aptos a conseguir permanecer em um estado de compaixão constante. Mas podemos fazer duas coisas agora: primeiro, cultivar gratidão por cada momento desse processo em desdobramento; segundo, criar condições para que os resultados desejados apareçam.
O dropback – termo que designa o movimento de inclinar-se para trás realizando a transição entre o tadasana (postura da montanha) e o urdhva dhanurasana (postura do arco elevado) – é perfeito para explorar a noção do processo do Yoga porque a postura é um processo em si mesmo. A ação do dropback é sustentada de forma precisa tanto no início quanto no final, mas a parte central é onde está o xis da questão. É aí que precisamos ficar atentos e, ao mesmo tempo, relaxados, descontraídos mas organizados, abertos a possibilidades porém atentos à direção em que estamos indo. Quando isso é possível, estamos tanto praticando quanto vivenciando o Yoga.
Uma vez que o processo de transição dos dropbacks muda de acordo com a posição de partida, são necessários alguns métodos. Primeiro, como saber se estamos prontos para começar a praticar os dropbacks? Se conseguir executar o urdhva dhanurasana com os braços estendidos, está pronto. Caso contrário, pratique as primeiras três posturas apresentadas aqui e depois o urdhva dhanurasana. Segundo, pergunte-se: “Para onde estou indo?”. Tente libertar-se de um objetivo específico e empenhe-se no processo do dropback. E, por último, crie condições para que o dropback ocorra por meio da sequência a seguir. Ela foi feita para gerar conexões e movimentos na memória muscular que irão sustentar o processo do dropback.
Antes de começar
Para aquecer-se para os dropbacks, comece com as mãos e joelhos apoiados em quatro apoios. Faça uma série de bidalasanas (postura do alongamento do gato), coordenando cada movimento à respiração. Faça então de três a cinco séries de saudações ao sol A e B para aquecer todo o corpo. A seguir, tente a sequência abaixo para abrir o quadril e os ombros. Permaneça cinco respirações em cada postura. Comece pelo lado direito em parivrtta utkatasana (postura poderosa com torção) e depois vá para virabhadrasana I (postura do guerreiro I). Leve o joelho esquerdo ao solo e eleve os braços em anjaneyasana (postura crescente). Coloque as pontas dos dedos sobre o chão e leve o joelho esquerdo por trás do direito para entrar em gomukhasana (postura da cabeça de vaca). Faça a postura completa entrelaçando as mãos atrás das costas. Após algumas respirações, deixe as mãos em anjali mudra (selo de saudação), incline-se para a frente e gire para a direita. Após cinco respirações, gire para a frente sobre as mãos e entre em adho mukha svanasana (postura do cachorro olhando para baixo). Expire e vá para o chaturanga dandasana (postura dos quatro apoios), inspire e mova-se para urdhva mukha svanasana (postura do cachorro olhando para cima). Expire novamente e entre em adho mukha svanasana. Permaneça por cinco respirações, caminhe à frente e repita a sequência para o lado esquerdo.
Supta virasana
(postura deitada do herói)
Após aquecer o corpo, comece a prática de inclinar-se para trás deixando o corpo ceder em direção ao solo. A mãe terra convida todos a descansarem sobre ela. Lembre-se disso para aumentar sua confiança e comece a postura.
Será necessário um bolster (almofadão), dois ou três cobertores e um bloquinho. Coloque o bolster na direção do comprimento do mat. Coloque horizontalmente o bloquinho sobre o meio do bolster. Pegue um cobertor e dobre-o como um acordeão de forma que fique com cerca de 10 cm de largura. Coloque-o sobre o bloquinho com a parte dobrada a cerca de 5 cm de distância da parte inferior do bolster.
Sente-se em virasana (postura do herói) à frente do bolster. Ao entrar em supta virasana, o bloquinho deve ficar posicionado sob a parte inferior das escápulas. Coloque o bloquinho na posição correta antes de reclinar-se. Quando estiver completamente reclinado, use as mãos para afastar os glúteos da lombar, criando espaço no sacro.
Se sentir algum estiramento no pescoço, dobre a ponta do cobertor para criar mais suporte para o pescoço. Se ainda assim não se sentir confortável, use outro cobertor sob a base do crânio. Se sentir dor nos tornozelos ou nos peitos dos pés, sente-se e coloque um cobertor dobrado na frente do bolster. Volte à postura, com as canelas sobre o cobertor, mas deixando os pés e os tornozelos fora dele.
Nessa postura de abertura do peito, os braços irão descer em direção ao solo. Se isso puxar muito o peitoral, coloque uma almofada sob cada antebraço. Caso contrário, permaneça na postura e deixe as clavículas e as partes superiores dos peitorais se abrirem. Nessa postura também alongamos a musculatura do abdome, os flexores do quadril, a parte anterior das coxas e tornozelos, que nos será útil para a extensão intensa que faremos adiante. Acostume-se com a sensação dos braços caindo ao longo do corpo, pois é uma postura que será útil mais tarde. Feche os olhos e permaneça por 20 a 30 respirações. Direcione a respiração para a parte de trás dos pulmões.
Urdhva mukha svanasana
(postura do cachorro olhando para cima)
Provavelmente você sempre pratica essa postura. Entretanto, desta vez foque-se em como a força de suas porções mediais das coxas sustentarão a curvatura da coluna e a abertura dos peitorais. Sente-se lentamente. A seguir, fique em quatro apoios e mova-se para adho mukha svanasana ao expirar. Ative os braços e pernas, mas deixe a cabeça solta.
Após algumas respirações, coloque um bloquinho entre as coxas. O bloquinho nos ajuda a ficar mais conscientes da ação de nossas pernas. Pergunte-se: “As minhas pernas estão giradas tanto medialmente quanto lateralmente?” Talvez a resposta seja sim. Ou talvez não! Qualquer que seja o caso, a posição estará correta, pois as pernas estarão em um alinhamento neutro – como estariam em tadasana –, que é criado por meio do equilíbrio das ações de músculos mediais e laterais.
Caminhe com as mãos para a frente, sentindo cada vértebra desdobrar-se. Tente perceber o exato momento em que a postura do cachorro olhando para baixo vira a postura da prancha, e continue caminhando com as mãos até que a prancha vire a postura do cachorro olhando para cima. Não se apresse nessa transição. Mantenha as pernas ativas, assim como a musculatura dos glúteos, e leve o cóccix para baixo.
Às vezes, quando pensamos em extensões, focamos toda a energia na curvatura da coluna. Mas as pernas desempenham uma função vital nas extensões. Para refinar a postura, pressione as palmas das mãos e os pés contra o solo. A partir dessa ação, eleve a parte posterior das coxas e o esterno. Cuide para não elevar os ombros.
Permaneça na postura por uma a duas respirações, levando-a para a parte de trás dos pulmões. Ao ativar as pernas, perceberá que a postura se torna mais fácil e requer menos esforço do que imagina, principalmente nos braços.
Na próxima expiração, eleve as coxas de modo que coloquem a coluna na postura do cachorro olhando para baixo. Perceba como as pernas executam essa transição. Alterne entre o cachorro olhando para cima e o cachorro olhando para baixo por três a quatro vezes, concentrando-se na sustentação das pernas, na abertura do peitoral, no olhar sereno e na forma como cada pequeno movimento leva a outro.
Descanse por cinco respirações em balasana (postura da criança), e a seguir coloque seu tapetinho próximo à parede.
Pincha mayurasana
(postura da pena de pavão) variação
Lembra da sensação do bloquinho entre as coxas durante o cachorro olhando para cima? Ele foi feito para dar a noção da ativação das coxas. Para executar posturas de equilíbrio sobre os braços e dropbacks, precisamos da sustentação de energia que percorre o solo e volta ao longo da coluna. O condutor dessa energia é a região medial das coxas.
Comece em dandasana (postura do bastão) com os pés contra uma parede. Verifique a posição dos joelhos e coloque os cotovelos ali. Vá para a postura do cachorro olhando para baixo usando os antebraços. Os cotovelos devem estar diretamente abaixo dos ombros e as mãos alinhadas com os cotovelos. Se as mãos tenderem a ir em direção uma à outra, coloque um bloquinho no chão entre elas. Eleve a perna direita (ou a esquerda, se for seu lado dominante), começando a ação do topo da coxa e não do pé. Flexione a outra perna. Ao mesmo tempo, chute a perna direita e jogue a perna esquerda contra a parede.
Ao atingir a parede, flexione os pés e caminhe com os calcanhares para cima pela parede para criar espaço na coluna. Flexione as pernas e deixe as solas dos pés contra a parede. Imagine o bloquinho entre as pernas. Pressione os pés contra a parede e os antebraços contra o tapetinho. Gire medialmente as coxas em direção à parede, levando o cóccix em direção aos calcanhares. Deixe a cabeça pender ou mantenha o olhar no espaço entre as mãos. Tente permanecer por cinco respirações.
Perceba como o pincha mayurasana se intensifica quando as pernas estão ativas e os antebraços firmes contra o chão. Volte e repouse na postura da criança. Repita para o outro lado.
Dropping back na parede
Agora estamos prontos para tentar um dropback na parede. Deite-se de costas com a cabeça contra a parede. Flexione as pernas, coloque os pés no chão e as mãos próximas às orelhas, na largura dos ombros. Essa é a preparação para o urdhva dhanurasana.
Inspire e, ao mesmo tempo, pressione as mãos e pés para baixo elevando o abdome até o urdhva dhanurasana. Se os braços estiverem estendidos, prossiga. Caminhe com os pés alguns centímetros em direção às mãos. A seguir, coloque uma mão na parede e pressione-a. Leve a outra mão à parede também. Sinta ambos os pés conectados ao chão.
Quando estiver quase no final da postura, poderá sentir-se nervoso e voltar. Permaneça calmo, mantenha a cabeça para trás e direcione a parte medial das coxas em direção à parede. Essa ação das coxas, combinada com a ação dos pés, deixará a pelve mais elevada que as coxas e ajudará a voltar em tadasana.
A partir do tadasana, una as palmas das mãos com os polegares no queixo. Eleve o peito e as costelas o mais distante possível da pelve. Imagine que irá tocar o teto com o esterno. Pense em subir cada vez mais. Mantenha as pernas estendidas o máximo de tempo que conseguir. Ao chegar ao máximo, desça os braços. Eles irão encontrar a parede de forma natural. Caminhe pela parede, mantendo o queixo contra o peito, volte e descanse.
Dropping back
O dropback fora da parede é igual, só que sem a parede! Para ter confiança para tentar, repita a postu ra na parede quantas vezes precisar. Cair para trás no vazio exige muita confiança. Mantenha os olhos abertos. Os pés e pernas devem permanecer no mesmo alinhamento do tadasana. Respire e sinta a conexão entre a terra e os pés; é ela que ajudará a elevação na extensão.
Comece se afastando da parede aos poucos. Enquanto se inclina para trás, perceba como fará a extensão de forma mais intensa antes mesmo que as mãos toquem a parede. Se sentir confiança, afaste-se da parede. Comece em tadasana deixando os pés um pouco mais afastados que a largura do quadril e deixe as palmas unidas, com os polegares no queixo.
Eleve o peito, mas não deixe a cabeça ir para trás até que não consiga mais olhar à frente. Mantenha as pernas estendidas. Pressione as coxas para trás, mesmo que a pelve mova-se para a frente, para manter o equilíbrio. Sempre existem ações opostas no Yoga e este é um bom exemplo. Enquanto a pelve move-se para a frente horizontalmente, o peso da cabeça pode cair para trás em contraposição. Para que a coluna mantenha-se suave e flexível, as pernas precisam estar fortes e estáveis. Se elas não estiverem ativas, a coluna ficará enrijecida, tornando a inclinação difícil.
Quando não conseguir mais inclinar-se com as pernas estendidas, leve os braços para baixo pelas laterais do corpo até o chão. Nesse ponto, as pernas começarão a flexionar e os braços irão segurá-lo quando chegar ao urdhva dhanurasana. Haverá um momento em que sentirá que está caindo no vazio. A força e o aterramento das pernas irão ajudar o processo.
Vamos ser sinceros: pode ser que você nunca consiga realizar um dropback por anos e anos! Mas ao menos já criou condições para que isso aconteça conectando a terra enquanto abre o peito, usando a força das pernas para dar flexibilidade à coluna e a parede para ajudar a criar um meio claro de como realizar o dropback.
Agora o trabalho é praticar, praticar, praticar. Se você deixar isso virar rotina, deixará de ser prática de Yoga. Os mestres dizem que mente e corpo devem andar juntos em cada etapa do processo para que estejamos em estado de Yoga. Em outras palavras, quando prestamos atenção às nossas experiências, em cada detalhe, então estamos em estado de Yoga. Porém não se apegue a esse estado; deixe que ele flua, e seja um momento de mudança e transformação.
Nosso consultor diz:
Além de força excêntrica abdominal e dos membros inferiores, a transição sugerida (dropback) só será possível se houver excelentes níveis de flexibilidade para a flexão dos ombros e para as extensões do quadril e lombar, e isso não depende “só” do treinamento. Não devemos desconsiderar que fatores limitantes vários podem impedir o movimento sugerido, por mais que o praticante siga as recomendações do artigo. Exemplos disso são as limitações por compressão óssea do úmero (osso do braço) contra a clavícula, comuns em homens, e principalmente as restrições estruturais para a extensão da coluna, verificadas por Einkauf e colaboradores como o movimento da coluna cuja amplitude decresce mais significativamente com o avanço da idade. Assim, se o treino para ganho de amplitude em extensão da coluna não resultou em grandes alterações na juventude de uma pessoa, dificilmente pode-se esperar que isso venha a ocorrer em idades mais avançadas. Decorre daí a simples conclusão de que não devemos ser movidos por expectativas ingênuas ao iniciar treinos com o objetivo de lograr tais posturas, pois dependendo da idade, da condição de saúde (por exemplo, hiperlordoses lombares sintomáticas) e do potencial genético, tais técnicas podem ser completamente inviáveis. Devemos estar atentos para uma reflexão de Achour Jr., que ao questionar riscos dos treinos para aumento de flexibilidade, conclui: “O problema geralmente surge quando se exige demais das pessoas (…) com baixo potencial genético para a flexibilidade”. Tenha cuidado para que o seu dropback não se transforme num dropbed… na cama do hospital.
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Por Cyndi Lee
Tradução: Cacau Peres
Fotos: Chris Andre
Consultor: Gerson D’Addio da Silva
Fonte: Yoga Journal