Certo grau de organização e maturidade mental e emocional é essencial para compreendermos como somos e funcionamos. A palavra sânscrita abhyāsa, traduzida geralmente como prática constante, significa literalmente “repetição”. Há duas formas de se interpretar este termo: uma positiva e uma negativa.
A positiva consiste em exercer consciente e diligentemente a atentividade ao longo do dia inteiro. Em seu aspecto negativo, este termo refere-se à repetição dos padrões de reação (chamados saṁskāras) que devem ser superados mediante uma atitude consciente que precisamos ter para conseguirmos aprender com as diferentes experiências.
Existem somente duas maneiras de agirmos no mundo: uma automática e outra consciente. A repetição automática não nos permite aprender nada novo. Simplesmente reagimos de maneira mecânica, repetindo e reforçando ainda mais os padrões e propensões subconscientes, como máquinas: quando um botão é pressionado, uma reação acontece. Isso faz com que passemos pelas diferentes experiências sem conseguirmos crescer através delas. Nesse sentido, precisamos anular esse aspecto negativo do abhyāsa cultivando as atitudes conscientes em cada ação.
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A professora de Vedānta Gloria Arieira nos ensina que o fato de viver num āśram (comunidade de yogis) por exemplo, pode tornar-se todo um aprendizado, pois é uma experiência inapreciável para conseguir sairmos do padrão saṁskārico. Ela residiu por vários anos no aśram de Swāmi Dayānanda, com quem teve o privilégio de conviver e aprender.
Gloria nos explica que o guru é ao mesmo tempo pai e mãe. Os discípulos, são como irmãos, que às vezes competem entre si pelo amor da mãe ou pelo carinho ou a atenção do pai. Quando tentamos fazer com que esse pai-mãe que é o guru entre em nosso jogo, ele nos mostra, como num espelho, e maneira em que somos e reagimos. Desta forma, ele nos desmonta e nos faz quebrar os padrões mecânicos através da ação consciente.
Assim, conseguimos compreender que não somos o psiquismo, e nos separar de seus conteúdos, como raiva, medo e outras emoções destrutivas que nos imobilizam. Conseguimos, dentre outras coisas, perceber que existe uma distância real entre nós mesmos e nossos desejos, raiva e demais sentimentos. Esta oração é feita pelos jovens do sul da Índia uma vez por ano, na cerimônia de troca do yajñopavitam (cordão bramínico). Ela nos ajuda a perceber essa distância entre nós mesmos e nossos pensamentos:
“Saudações. Foi o desejo que fez, foi o desejo que fez e faz. Eu não faço. O desejo é o agente da ação, não sou eu. O desejo é a causa da ação, não eu. Ó desejo!, a você, que possui forma encantadora, ofereço esta oração.
Saudações. Foi a raiva que fez, foi a raiva que fez e faz. Eu não faço. A raiva é o agente da ação, não sou eu. A raiva é a causa da ação, não eu. Ó raiva!, a você, que possui forma encantadora, ofereço esta oração”.
Agir ou reagir?
Positivamente, abhyāsa significa olhar construtivamente para nosso psiquismo, na distância, compreendendo sua estrutura e funcionamento e, ao mesmo tempo, deixar de identificar-se com seus conteúdos, pensamentos e sentimentos. É preciso compreendermos os padrões que nos impelem à reação automática.
Desde o aspecto postitivo, abhyāsa é a capacidade de compreender os padrões subconscientes que subjazem e predeterminam nossas reações mecânicas. Percebendo esses padrões, poderemos evitar as situações indesejáveis que eles desencadeiam, antes que estas aconteçam. Desta maneira, estaremos agindo livremente, ao invés de apenas reagir como máquinas.
Concluímos este sūtra com as palavras do comentarista Vyāsa: “Ausência de flutuações ou calma absoluta é stithi, a estabilidade. A força, a energia e o entusiasmo, o esforço constante e repetido para alcançar essa [estabilidade] recebe o nome de abhyāsa, prática responsável e constante”.
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Por Pedro Kupfer
Fonte: Yoga Pro BR